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Advogados e professores se mostram preocupados com PEC da Relevância

O Congresso Nacional aprovou PEC da Relevância na última quarta-feira (14/7). A medica cria
filtros para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possa, de fato, otimizar a atuação da corte.
No entanto, embora o debate tenha começado em 2012, quando foi apresentada a primeira
proposta sobre o tema, ainda há muitas perguntas a serem respondidas.
Advogados ouvidos pela ConJur se dividem e se preocupam com o que, no fim das contas, será
considerado relevante a ponto de merecer a atenção dos 33 ministros do tribunal.

Novos critérios devem restringir as ações que serão admitidas pelo STJ
Ao alterar o artigo 105 da Constituição, a PEC traz cinco hipóteses de relevância presumida:
ações penais, de improbidade administrativa, ações cujo valor de causa ultrapasse 500 salários
mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade e hipóteses em que o acórdão recorrido
contrarie jurisprudência dominante do STJ.

O inciso VI do parágrafo 1º traz um desafogo: outras hipóteses podem ser previstas pelo
legislador ordinário. Isso é apontado por ministros do STJ como a garantia de que, contra
algumas previsões, os filtros não servirão para institucionalizar a jurisprudência defensiva, nem
farão a corte virar as costas aos mais vulneráveis.

Para além desses casos, o STJ se debruçará sobre a admissibilidade de cada processo para
julgar se há relevância ou não. O conhecimento do recurso só poderá ser negado pela
manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.
O que é causa relevante?

Para Daniel Mitidiero, professor da UFRGS e advogado, a causa relevante será aquela a partir
da qual o STJ poderá cumprir a sua função de dar unidade ao Direito tanto retrospectiva
quanto prospectivamente. Isso acontecerá quando for possível resolver uma dúvida
interpretativa sobre o direito vigente ou enriquecer o estoque de normas para fazer frente a
situações ainda não pensadas pelo legislador.

Segundo ele, os filtros impostos até agora deixam a desejar. Melhor seria se a definição
constitucional fosse mais vaga, permitindo que o STJ construísse o significado da relevância a
partir dos seus casos. “Talvez seja interessante pensar na importância do bem jurídico
tutelado, subjacente ao debate”.

A constitucionalista Vera Chemim classifica como relevante qualquer questão que, embora
remeta às partes envolvidas no processo, seja também de interesse macrojurídico, das
instituições de um Estado democrático de Direito e que trate dos direitos fundamentais.

Para ela, a relevância precisa atender a alguns requisitos: à necessidade das partes (caráter
subjetivo) e à satisfação dos direitos fundamentais, ao interesse público, à Administração
Pública direta e indireta e também precisam servir de precedente para futuras decisões.

Ao falar sobre a PEC da Relevância, o advogado Victor Cerri ressalta a questão como
complicada, por causa da carga de subjetividade. “O parâmetro vai ser sempre o que tem
impacto sobre a coletividade. Seria basicamente esse o pilar central”.

 

Cecilia Mello, do escritório Cecilia Mello Advogados e desembargadora aposentada do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, afirma que faltou dar relevância presumida aos direitos
indisponíveis, como aqueles atinentes à própria vida, à personalidade e ao estado da pessoa.

Já Saulo Stefanone Alle, do Peixoto & Cury Advogados, faz menção ao que ocorreu na reforma
do Judiciário, em 2004. “Os mecanismos de relevância podem ser comparados à exigência de
repercussão geral, que já existe para o STF e foi criada pela Emenda Constitucional 45”, diz. Ele
pontua ainda que a restrição à admissibilidade de recursos especiais por alteração
constitucional pode se mostrar muito rígida e aguda.

Se ela se provar inadequada, segundo ele, o espaço para correção será bastante limitado.
“Essas reformas agudas precisam ser pensadas a partir de estudos científicos e de análise
muito criteriosa de dados, além de ponderar que a função dos tribunais é proteger o direito e
a dignidade humana, ainda que isso não seja eficiente”.

Pedro Adamy, professor da PUC-RS e advogado, também questiona a forma como os filtros
foram instituídos. “A Constituição não é o local adequado para o estabelecimento de
parâmetros de relevância recursal, devendo isso ficar a cargo do legislador. Incluir critérios
detalhados de relevância recursal termina por engessar o sistema recursal, que necessitará de
uma nova PEC em caso de necessidade de mudança”.

Marcello Vieira de Mello, do GVM Advogados, por sua vez, aponta como é curioso que entre as
hipóteses de relevância presumida tenham permanecido julgamento de causas políticas, como
processos sobre improbidade administrativa e que gerem inelegibilidade. “Isso mostra a
preocupação dos agentes políticos em resguardar para si uma 'terceira instância' no STJ”.
“Assim, a legislação ordinária certamente poderá retirar do filtro da relevância outras
demandas dessa mesma seara política, bem como ações que tragam consequências financeiras
para a Fazenda Pública que, no Brasil, tem o costume de delongar suas demandas ao máximo
possível", disse ele. "As partes ainda tentarão buscar, em toda e qualquer causa, elevar seu
apelo ao STJ, alegando a existência de alguma das exceções previstas na lei”.

Por fim, o advogado Lenio Streck já tinha apontado, em novembro, que os critérios de
relevância não resolvem o problema atacado, além de criar outros. “Assumir as sugestões da
OAB para delimitar critérios de relevância funciona como uma espécie de redução de danos.
Todavia, o problema persiste. Haverá relevância automática e relevância subjetiva. Subsiste o
problema central: a estrutura dos recursos no Brasil”.

Segundo Streck afirmou em coluna na ConJur, ainda não foi resolvido o problema de
diferenciar os casos que exigem reexame de prova dos que apontam erro jurídico no exame
das provas, e que, assim, demandariam a intervenção do tribunal superior. A esse problema,
acrescenta-se um novo: agora os próprios ministros é que vão decidir o que é relevante ou
não, por um quórum de dois terços.

Como será na prática?

O advogado criminalista, doutor em Direito Penal Econômico pela USP e sócio do Corrêa
Gontijo Advogados Conrado Gontijo vê a aprovação da PEC como um retrocesso.
“Representa um significativo retrocesso no que diz respeito ao acesso do cidadão ao Poder
Judiciário e à qualidade da prestação jurisdicional. Abre-se ainda mais margem para que o STJ
recuse a possibilidade de analisar temas importantes de casos concretos, por meio do critério
aberto da relevância, o que tende a comprimir direitos fundamentais”.

 

Adamy destaca que o texto possui lacunas que podem prejudicar o litigante, tal como a
ausência da previsão de atualização do valor da causa, o que poderia barrar a ação pelo
quesito “valor”. “Sobre o artigo 2°, deve-se mencionar que não há qualquer menção aos
critérios de atualização do valor da causa. Isso pode ser mais um fator de dificuldade e
aumento da complexidade recursal”.

A preocupação quanto ao critério econômico como fator delimitador para definir se o recurso
especial será conhecido ou não é compartilhado pelo professor Daniel Mitidiero. “Os critérios
envolvendo quantias em dinheiro não me parecem os mais adequados à luz da ideia de que o
STJ constitui uma corte suprema de Direito federal. Existem casos que podem não ter
expressão econômica significativa (ou mesmo não ter relevância econômica nenhuma), mas
terem um enorme impacto social”.

Já para a constitucionalista Vera Chemin, embora o objetivo da PEC seja reduzir o volume de
processos na corte, garantindo maior celeridade, a PEC não deve ser encarada como um
empecilho para se ter acesso à justiça. “O fato de se suprimir o recurso especial junto ao STJ
não representa um prejuízo para as partes, até porque somente a primeira e segunda
instâncias julgam fatos e provas que são fundamentais para o desfecho do processo. A
despeito de tais vantagens, o STJ ainda continuará com uma infinidade de ações e recursos
(previstos no artigo 105 da Carta Magna), os quais sinalizam para uma reflexão sobre a forma
de reduzir o número de instâncias no Poder Judiciário brasileiro. Sendo assim, o impacto pode
ser considerado como relativamente positivo”.

Para a advogada e professora do curso de Direito Ambiental Empresarial do Mackenzie Letícia
Yumi Marques, a PEC vem em boa hora. “Em matéria ambiental, a expectativa é de aplicação
arrojada da legislação ambiental e a reversão de acórdãos em sentido contrário. A eliminação
de uma etapa recursal para se chegar a um desfecho previsível, apoiado em uma
jurisprudência consolidada na corte superior, traz segurança jurídica em termos de
mapeamento e mitigação de riscos envolvendo passivos ambientais para as empresas”.
Brechas?
Adamy levanta alguns questionamentos que podem surgir. Uma das hipóteses que permitirá o
conhecimento do REsp é acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ. Mas o
que, exatamente, é isso? “Em muitos casos, a formação de uma 'jurisprudência dominante'
leva décadas e pode ser revertida em poucas semanas por uma mudança de composição ou de
entendimento”.

E, ao escolher novos critérios, o legislador ordinário poderá avançar sobre o que a Constituição
pré-definiu? “A ausência de critérios da PEC pode levar, inclusive, a um aumento da
quantidade de recursos a depender das hipóteses de relevância criadas pelo legislador”.

 


Fonte: ConJur

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